Qual foi o dia mais feliz da sua vida? E o mais triste? Há, sem dúvida, momentos e circunstâncias que se fixam em nossa memória como sendo de grande de felicidade ou de profunda tristeza. São experiências subjetivas, memórias que, muitas vezes, são transformadas e modificadas pelos próprios mecanismos da nossa mente que não funciona como um gravador que armazena dados objetivos e os mantém lá, imóveis e prontos para uso. Muito pelo contrário, a memória e as memórias estão em movimento contínuo.
Lembrar significa, de alguma forma, refazer a mesma experiência, reconstruí-la em nosso cérebro, e esta operação não é nunca uma mera repetição, mas uma verdadeira reinterpretação da experiência vivida.
Todavia, se pudéssemos registrar fielmente, todos os dias, o quanto um fato, um encontro, uma atividade, nos faz felizes ou infelizes, então as coisas mudariam. A memória da experiência seria fiel e objetiva, mesmo em sua subjetividade. A ideia de um dispositivo dedicado a gravar a felicidade foi de Francis Ysidro Edgeworth no final do século XIX. A este invento ele chamou “hedonímetro”.
Momento após momento, o hedonímetro teria de traçar uma linha contínua, um gráfico feito de altos e baixos, associado às variações da nossa satisfação instantânea para que a área total subjacente a essa curva não fosse mais do que a medida global da nossa felicidade.
O sonho de Edgeworth tornou-se realidade há algum tempo, quando foi lançado o projeto “Mappiness”, um aplicativo para smartphones que recolhe dados sobre o bem-estar subjetivo de dezenas de milhares de cidadãos britânicos.
Graças a estes dados e técnicas estatísticas adequadas, foi possível descobrir, por exemplo, que o dia mais triste vivido pelos britânicos nos últimos seis anos foi 9 de novembro de 2016, o dia da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Não deverá, pois, surpreender-nos, mesmo à luz deste fato, as declarações ácidas do embaixador britânico em Washington sobre a personalidade do presidente americano.
No entanto, os dados do Mappiness são geralmente utilizados para fins mais produtivos do ponto de vista científico. Um exemplo é o estudo publicado há algum tempo no Economic Journal por Alex Bryson e George MacKerron intitulado “Are you happy when you work?”, em português “Você é feliz enquanto trabalha?”
Os dois economistas analisam o impacto das atividades laborais no bem-estar das pessoas, medindo, graças aos dados instantâneos, as avaliações subjetivas durante as diversas atividades diárias, incluindo o trabalho. O tópico é interessante porque permite testar duas perspectivas opostas sobre o significado do trabalho.
Enquanto para os psicólogos, as atividades de trabalho geralmente têm um significado intrínseco importante, como fonte de significado, autoestima e função social, para os economistas, no entanto, o trabalho é parte de nossas avaliações, apenas como uma fonte de “inutilidade”, uma contribuição negativa, ou seja, para o bem-estar individual.
Assim, por um lado, o trabalho é visto como um bem intrínseco e, por outro lado, como uma atividade dispendiosa que deve ser remunerada por isso. Compreender qual das duas perspectivas melhor descreve o impacto real das atividades de trabalho no nosso bem-estar é, portanto, uma questão bastante interessante.

Juntos, esses dados parecem demonstrar um verdadeiro paradoxo: não gostamos de trabalhar, mas se não podemos trabalhar o nosso bem-estar subjetivo é afetado de forma muito relevante.
Bryson e MacKerron fazem exatamente isso em seu estudo, medindo e classificando as diversas atividades diárias de acordo com a contribuição positiva ou negativa que fazem para o bem-estar daqueles que as realizam. Entre as atividades que têm maior impacto em nossa felicidade estão momentos de intimidade com a pessoa amada ou ainda, dançar, praticar esportes ou visitar uma exposição, jardinagem, conversar com amigos, meditar, só para citar alguns exemplos, lembrando que os dados se referem aos cidadãos ingleses.
Entre as atividades menos satisfatórias estão o trabalho doméstico, os deslocamentos, as filas de espera, o cuidado com as contas da família, o estudo e o repouso durante a recuperação de uma doença.
E o trabalho? Quando você está no trabalho, a felicidade aumenta ou diminui? Na verdade, de acordo com os dados, a felicidade diminui e muito. O trabalho, como dizem os economistas, parece ser uma fonte de inutilidade. Isso é minimizado quando o trabalho tem uma dimensão de socialização, ou seja, quando, enquanto estamos no trabalho, podemos ficar com colegas e amigos, mas não na presença do chefe, quando podemos ouvir música, quando, acima de tudo, podemos trabalhar em casa.
A inutilidade é minimizada, mas nunca desaparece completamente. No entanto, este resultado torna-se ainda mais importante se o lermos num contexto mais amplo. Muitos outros estudos têm demonstrado que aqueles que têm um emprego, quando comparados com aqueles que estão desempregados, mostram níveis significativamente mais elevados de bem-estar subjetivo.
Por exemplo, quando se é despedido, a perda de bem-estar é duas vezes e meia maior que aquela que resultaria apenas da perda financeira resultante de uma baixa no salário. Isto parece significar que no trabalho encontramos uma utilidade intrínseca que excede largamente a associada apenas ao ganho monetário.
Sabemos também que, muitos acontecimentos negativos na vida, como o divórcio, a viuvez e a invalidez são adaptáveis, isto é, após uma abrupta redução inicial, com o passar do tempo, o bem-estar volta aos níveis anteriores ao acontecimento, isso não acontece com a demissão, que continua a exercer um efeito negativo permanente no nosso humor.
Além das questões técnicas que poderiam ser levantadas para qualificar esses resultados, ou as questões definidoras de termos como “trabalho”, “felicidade”, “bem-estar-subjetivo”, etc., o paradoxo, provavelmente, destaca dois elementos: por um lado, que talvez tenhamos criado muitos empregos “errados”. Muitas ocupações que vão contra as nossas aspirações mais profundas. Trabalhos inúteis e desumanizadores, individual e socialmente.
Há também um segundo aspecto que diz respeito a um elemento fundamental da própria natureza humana, provavelmente ainda mal compreendido e certamente não adequadamente incluído no discurso econômico, mesmo quando se trata da felicidade e de seu entorno. Em uma frase poderíamos resumir este elemento dizendo que nem sempre o que gostamos nos faz felizes e, ao mesmo tempo, nem sempre o que nos custa nos faz infelizes.
A eudaimonia aristotélica que muitas vezes erroneamente traduzimos com o termo “felicidade” representa mais propriamente o conceito de “florescer humano”. Para “florescer” como pessoas, para sermos felizes neste sentido mais integral, devemos desenvolver tanto quanto possível o nosso potencial. É por isso que um atleta que sua a camisa e trabalha todos os dias durante anos à espera de um momento de “desfecho”, pode dizer que está feliz. E assim um estudante ou um cientista, um explorador ou um artista que, com muito trabalho, sacrifício e paciência, percorre um caminho que irá levá-los, talvez, ao resultado desejado.
Podemos dizer que a felicidade vem apenas da obtenção do resultado? Certamente não, a felicidade também se encontra no caminho, na preparação deste “desfecho”. Por isso, parece-me que não podemos compreender plenamente o verdadeiro sentido do trabalho, tanto do ponto de vista psicológico quanto do econômico; porque o trabalho, como qualquer questão humana, é uma questão vital e complexa, mas sobretudo porque o trabalho, citando Simone Weil, como “iniciativa e responsabilidade, o sentido de ser útil e mesmo indispensável, são necessidades vitais da alma”.
Texto publicado no Il Sole 24 h em 21/07/2019